Admiração, uma verdade dolorosa: reflexões sobre amor, inveja e as pequenas mentiras que sustentam relações.
Geralmente, gosto de intercalar um filme mais “cabeção” com outro mais leve, que me ajude a relaxar. Dias atrás, escolhi um filme sobre o relacionamento de um casal de longa data na expectativa de ser uma comédia romântica que eu tivesse a possibilidade de relaxar. Mas ao longo da trama, percebi que aquele filme não tinha nada de cômico, pois o que era para fazer rir, me deixou pensativa.
“Verdades Dolorosas” (2023) retrata o casamento de longa data entre um terapeuta e uma professora universitária e escritora bem-sucedida. Em uma cena, ela escuta acidentalmente seu marido confessar a um amigo que, na verdade, não gosta tanto assim dos textos que ela escreve. Impactada, Beth se lembra dos inúmeros elogios que recebeu dele ao longo dos anos e comenta com a irmã: afinal, ele leu cada página que ela escreveu e sempre dizia que estava ótimo.
O filme trata de muitas outras questões, mas vou ficar com este recorte, pois o casamento de Beth e Don é retratado como uma parceria onde as trocas são constantes e bem-vindas. A revelação, no entanto, desencadeia em Beth uma série de crises e questionamentos sobre seu relacionamento e sua carreira.
Sempre me questionei sobre essas “mentirinhas” socialmente aceitas. Será que é melhor dizer algo apenas quando realmente sentimos? Até que ponto as mentiras que contamos para manter a cordialidade são perdoáveis? Se falássemos tudo o que realmente pensamos sobre nossos parceiros, as relações sobreviveriam? Existe, de fato, uma mentira socialmente aceita?
Ouvir Don falar que ele acha seu livro ruim, fez Beth vacilar em sua certeza enquanto profissional. Aqui cabe um adendo: o marido é um terapeuta cansado, muito perdido em suas intervenções e constantemente escuta “sem querer” nos finais das sessões que elas são inúteis. Fiquei me perguntando se Don, por não saber o que fazer diante do cansaço em estar em uma profissão que visivelmente não o deixa realizado, tem inveja da realização profissional de sua esposa, pois ela gosta muito do que faz.
Escuto em meu consultório pacientes falando sobre como parece fácil para os parceiros desfrutarem do trabalho e se realizarem profissionalmente. Mas quando questiono o paciente se ele sente prazer em sua carreira, ele não sabem o que dizer.
Entre amigos, também percebo incômodos: a dedicação do outro ao trabalho e aos estudos muitas vezes é vista como uma “ameaça”, como se o tempo investido na carreira devesse ser dedicado ao relacionamento.
Por que será que este quantum de dedicação ao que é importante ao parceiro incomoda o outro? Minha hipótese é que o tempo que o companheiro se dedica a crescer profissionalmente poderia ser dedicado a ele ...
Fazendo um recorte de gênero, escuto muitos homens falando que a mulher não tem tempo para ele e que parece que elas gostam mais de trabalhar ou de estudar a passarem tempo com eles. Será que os homens se perguntam que as mulheres precisam mostrar que são mais eficientes em suas profissões? Será que eles têm a mesma dedicação aos estudos ou aos projetos que suas parceiras?
No filme, Beth estuda e trabalha muito mais que Don, que sequer percebe que não é tão bom terapeuta.
Estas comédias românticas nos trazem um retrato dos relacionamentos e com as dramédias, comédias dramáticas que deveriam nos fazer rir, colocam uma lupa nas relações a ponto eu me questionar por que não há um aviso de conteúdo sensível.
É engraçado, eu sei, porém quantas pessoas assistem a comédias românticas como um comfort movie? Quantas vezes queremos paz e sossego vendo algo que nos traga paz e satisfação?
Mas, pensando bem, um filme é um recorte da vida real e por este motivo nos convoca a questionar por que determinadas cenas nos interrogam tanto. Fazendo este exercício com "Verdades Secretas", eu sempre me questionei se para ser amigo, amante, amado de alguém precisamos admirá-lo.
Até que ponto nossos companheiros são admiráveis? Será que a convivência ajuda a manter esta admiração que só é possível à distância? Será que conviver dia a dia com alguém não nos fará reconhecer em nós as nossas pequenezas, o nosso egoísmo e o que há de mais íntimo e estranho em nós? Será que é saudável ter um amigo ou um amor onde a inveja faz sua morada? O que será que há em ti que me incomoda tanto?
O filme me trouxe muitos questionamentos sobre se a admiração que sentimos por nossas parcerias é o ponto de partida para construir algo sólido.
Tenho mais perguntas que respostas sobre este ponto, porém acredito que refletir sobre a admiração, ou sua ausência, nas parcerias é um bom caminho para o divã.
Ficha técnica:
Filme: Verdades Dolorosas
Diretor: Nicole Holofcener
Ano: 2023
Onde assistir: Max
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