Ângela, a violência e o inconsciente: uma leitura psicanalítica da minissérie da Netflix
Ângela, a violência e o inconsciente: uma leitura psicanalítica da minissérie da Netflix
Resenha crítica da série Ángela (2025), suspense psicológico sobre violência contra a mulher.
A minissérie Ángela tem uma trama envolvente, que mistura suspense psicológico com reviravoltas. Ángela vive numa casa linda, casada com um homem que é bem-sucedido, simpático, respeitado. O tipo de casal que os vizinhos invejam. Ángela é uma mulher que tenta manter as aparências enquanto sofre dentro de casa, pois passa por abusos físicos e psicológicos do marido e teme pela própria vida e segurança das filhas. Mas tudo muda com a chegada de Edu, que desperta seus desejos adormecidos e a esperança de uma nova possibilidade de existir.
O enredo chama a atenção por abordar temas delicados que fazem parte da vida real e apesar de colocar camadas e camadas de suspense e reviravoltas, o que pesa de verdade é a dor que ecoa em silêncio nas paredes do lar. A série não apenas narra atos de violência física e psicológica, mas revela os entrelaçamentos profundos que o sofrimento deixa na pele, no desejo e no inconsciente.
A série não é perfeita, pois se perde tentando ser um suspense psicológico, mas quando se permite ser aquilo que promete no início um retrato incômodo da violência silenciosa no ambiente doméstico, ela entrega com intensidade!! O espectador é convidado a testemunhar a desconstrução subjetiva de uma mulher que vive uma relação marcada por manipulação sutil, na qual a subjetividade da vítima é gradualmente corroída: sua voz se perde, sua autonomia se esvai, e sua identidade se fragmenta.
A direção apresenta com rigor o ciclo característico da dinâmica narcísica de dominação: a idealização inicial que seduz, seguida pela desvalorização que fere, até o descarte que destrói. Todo esse processo se dá em meio a silêncios tensos e uma carga emocional que pesa no inconsciente, mantendo o espectador em estado de vigilância psíquica constante.
O sofrimento de Ângela é ao mesmo tempo manifesto e encoberto. A violência contra a mulher, muitas vezes, se esconde em zonas cinzentas, onde o medo, a vergonha e o silêncio atuam como cúmplices. É aí que o inconsciente entra em cena: gestos interrompidos, palavras que hesitam, marcas invisíveis no corpo, histórias que se repetem sem que se saiba exatamente o porquê.
A psicanálise nos oferece ferramentas para compreender como o sujeito feminino que sofre violência não é apenas vítima de um corpo que se impõe, mas também de um aparelho psíquico que luta para sobreviver a esse trauma. O recalque, o mecanismo que reprime aquilo que seria insuportável para a consciência, pode resultar em sintomas variados, como a ansiedade e a dissociação. No entanto, em muitos casos, é ele que impede a mulher de nomear o que vive, pois reconhecer o abuso significaria romper com seus laços afetivos, sociais, familiares.
Em Ângela, somos testemunhas da repetição do sofrimento que observamos não só o ato violento em si, mas o modo como ele se inscreve na subjetividade, estruturando a maneira como a mulher se vê, se escuta e se relaciona com o mundo.
Ângela revela que enfrentar a violência não é apenas fugir do agressor, é também encarar as próprias sombras, muitas vezes enlaçadas ao desejo, à culpa e ao medo. Nomear a violência é o primeiro passo para rompê-la. A série mostra que romper o ciclo não é simples, mas é possível quando espaços de escuta e acolhimento permitem que a singularidade da mulher emerja para além do laço que a oprime, porque nem sempre o perigo vem de fora. Às vezes, ele coloca aliança e te chama de amor.
Ficha técnica:
Título: Ángela
Gênero: Suspense psicológico / Drama
Ano de lançamento: 2025
Episódios: 6
Duração média por episódio: 50 minutos
Idioma: Espanhol
Classificação indicativa: 16 anos
Disponível em: Netflix
Direção: Norberto López Amado.
Elenco: Verónica Sánchez, Daniel Grao, Jaime Zatarain, Lucía Jiménez, Ane Gabarain e María Isabel Díaz Lago.
Sinopse: Ángela Rekarte leva uma vida aparentemente perfeita com o marido Gonzalo e suas duas filhas. No entanto, por trás dessa fachada, ela sofre abuso psicológico e físico. A chegada de Edu, um homem de seu passado, desperta nela desejos e dúvidas que a conduzem a um caminho perigoso de autodescoberta e revelações inesperadas.
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