“Tudo não terás” não é castigo, é liberdade. Um olhar psicanalítico sobre o limite, o desejo e o impossível, de Freud a O Advogado do Diabo.
Há algo profundamente humano nessa frase. “Tudo não terás.” Dita assim, ela soa como castigo, mas talvez seja só um lembrete, pois desejar tudo é, no fundo, desejar o impossível. E é justamente o impossível que move o desejo.
Na escuta analítica, o “não ter” não é falta no sentido comum. É o espaço que nos faz buscar, criar, amar e tantas outras possibilidades. Se tivéssemos tudo, o desejo cessaria e junto com ele, cessaria também o movimento da vida psíquica. A falta é o que nos mantém vivos, ainda que doa.
Na tentativa de tudo possuir, o sujeito se perde: confunde completude com controle, presença com posse. Quer ser senhor do que sente e do que o outro sente. Mas o inconsciente não negocia com essa fantasia de tudo ser possível. Ele insiste, escapa, repete nos fazendo lembrar que não há plenitude possível.
A renúncia, nesse sentido, não é fraqueza, é condição. Aceitar o limite é também aceitar o real, onde o desejo encontra o que não se dobra à vontade.
“Tudo não terás” não é uma sentença. É uma espécie de liberdade. A de poder desejar sem se aprisionar ao que nunca virá inteiro.
Há algo profundamente humano neste limite: reconhecer que o tudo não cabe em ninguém. Que o amor, o trabalho, a vida e tudo o que nos move está sempre faltando um pedaço e é justamente essa falta que nos seguir em frente.
Ter tudo seria o mesmo que cessar o movimento, calar o desejo. O “tudo não terás” nos devolve à condição de sujeitos desejantes que se completam no intervalo entre o que têm e o que ainda buscam.
Há uma dignidade em não possuir o todo, porque é ali, no resto, que algo de nós permanece vivo.
O eco do filme
A frase "Tudo não terás" tem uma origem híbrida entre o cinema e uma certa sabedoria moral popular que muita gente associa a algo bíblico (embora não seja). A frase ficou conhecida principalmente por causa do filme “O Advogado do Diabo” (The Devil’s Advocate, 1997), dirigido por Taylor Hackford, com Al Pacino no papel do Diabo e Keanu Reeves como o advogado seduzido por poder e vaidade.
Com o tempo, a frase foi sendo repetida fora do contexto do filme e ganhou essa aura de “lei simbólica”, quase uma formulação ética: não se pode ter tudo, e é nesse limite que se funda o humano.
Em O Advogado do Diabo (1997), quando o personagem de Al Pacino diz “Tudo não terás!”, ele não profere uma maldição, mas algo nessa linha — “Tudo não terás!” — num tom que mistura ironia e verdade, como quem revela o limite humano diante do desejo de ter tudo: sucesso, prazer, poder, amor, reconhecimento.
O Diabo (Al Pacino) revela o que já habita o sujeito. Ele é, ali, a voz do supereu em sua forma mais cruel: aquele que promete o gozo total e, logo depois, o retira. “Tudo não terás” é o instante em que essa ilusão se desfaz, o momento em que o desejo encontra o seu limite e o sujeito se vê diante do real da falta.
Na psicanálise, essa cena não fala de punição, mas de estrutura. É o lembrete de que o humano se constitui nesse intervalo entre o querer e o não poder tudo. O Diabo, com sua ironia, diz o que Freud já sabia: o gozo absoluto é impossível e é nessa impossibilidade que nasce a liberdade de desejar.
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