Às vezes a gente percebe que a mãe não é só alguém, é um lugar.
A mãe não é só alguém, é também um território afetivo onde começamos a existir e, muitas vezes, continuamos voltando sem perceber. A mãe é um território íntimo que se instala antes mesmo de sabermos falar, e que continua ali quando tudo ao redor já se moveu.
A mãe, nesse sentido, é um modo de habitar o mundo: um jeito de sentir, de esperar, de temer, de desejar. Um espaço dentro da gente que insiste em permanecer, mesmo quando tudo muda e que, mesmo adultos, ainda tateamos esse espaço que permanece vivo em nós.
Um eco que insiste.
Porém nem sempre esse lugar é abrigo. Para algumas filhas, a mãe não oferece só presença, ela oferece excesso.
Lacan chama de devastação o que acontece quando a mãe não é espaço, mas uma invasão, que acontece quando o amor captura, quando o cuidado sufoca, quando a presença ocupa tudo.
É como se a filha crescesse dentro de um território tomado: onde não há borda, não há distância, não há um “eu” que possa se firmar. Neste cenário, a mãe não é apenas um lugar: ela se torna todos.
E isso devasta, porque a filha fica sem espaço para existir fora do desejo materno.
O que deveria acolher, consome; o que deveria dar contorno, tira o chão.
Mas há histórias ainda mais silenciosas e igualmente marcantes: e quando a mãe não oferece lugar nenhum?
Há mães que não invadem; simplesmente não chegam. Não ocupam demais, mas não ocupam nada. A filha cresce encostada numa porta que não se abre. É uma ausência tão constante que vira atmosfera.
Um amor que talvez exista, mas nunca alcança.
Lacan nos permite pensar que a devastação também pode vir daqui: da falta radical de endereço. A filha tenta pousar, mas não há onde. Não há gesto que diga “aqui é você”. Não há marca mínima que sustente, contorno que delimite e essa ausência, tão silenciosa, marca fundo. Não deixa ruído, mas deixa eco. Não invade, mas deixa sem forma.
No fim, seja pelo excesso ou pela falta, há sempre um ponto que retorna, um ponto inaugural, quase sempre mudo: che vuoi?
O que você quer de mim? Onde me coloco no seu desejo? O que faço com esse enigma que me atravessou antes de eu saber quem eu era?
Essa pergunta, em uma tentativa de localizar-se no Outro, é o que sobra quando o lugar materno falha, por excesso ou por vazio.
A filha fica diante de um mapa desenhado pela falta ou pela invasão, e tenta decifrar se existe algum espaço possível para existir que não seja aprisionado nem apagado e é aqui que algo começa a se deslocar, pois, ainda que a mãe tenha sido invasão ou ausência, é possível construir um lugar próprio lentamente, com delicadeza, quase artesanalmente.
Um lugar que não repete o excesso, nem ecoa o vazio. Um lugar que nasce não para responder ao Che vuoi?, mas para permitir que algo da própria vida tenha contorno, corpo, silêncio e chão.
Um lugar que finalmente é seu.
Para mais novidades, siga: @significantesss #liliateindica no Instagram.
🌿 Atendo presencial e online, em um espaço de palavra e de escuta.