A Sobrecarga das Mães: Quando o Cuidado Vira Peso Solitário
Nos últimos dias, assistimos a uma avalanche de notícias de pais que não assumem a carga de criar seus filhos, que não pagam pensão, que são pais de Instagram, que se vangloriam por acordar cedo e fazer sozinho o café da manhã do seu filho. Estes homens são elogiados por serem bons pais.
As mães são questionadas por ter deixado os filhos com os avós para viajarem com seus parceiros, para sair com as amigas, para cuidarem de si, entre tantas outras situações. Será que alguém questiona o pai?
Será que quando um pai fala que não lembra da última vez que ficou sozinho para refletir ou para ler um livro, ele leva em consideração o trabalho oculto da mãe do seu filho enquanto ele pousa com um pai exemplar nas redes sociais? Ou será que a mãe estava tão exausta, tão cansada e tão atarefada que mal se lembra que existem livros?
Quantas vezes em nosso entorno sabemos de situações como esta? Quantas vezes questionamos os pais sobre a responsabilidade do cuidado com seus filhos? Apesar de ser um tema muito comum, ainda assim é muito pouco elaborado, visto que tem 16 anos que eu tive meu filho e as coisas estão no mesmo lugar. Ainda não caminhamos nem dez centímetros nesta esteira dos cuidados, da responsabilidade e da divisão das tarefas com filhos.
Cada dia percebemos como as mães estão sobrecarregadas mental e fisicamente, pois para além de sua jornada de trabalho, há o trabalho invisível não remunerado com os afazeres da casa e com os filhos. Muitas mulheres recorrem a rede de apoio, formada principalmente por mulheres e funcionárias, o que nos traz um outro debate. Quem cuida dos filhos da mulher que cuida dos nossos filhos? A impressão que eu tenho é que quando nos questionamos sobre os cuidados parentais entramos numa seara muito mais profunda: o lugar da mulher na sociedade patriarcal.
Sabemos que os meninos são criados completamente diferente das meninas e o quanto este modelo parental reverbera no modo de se estar no mundo, pois as meninas são incentivadas a cuidar do outro e de suas coisas, a ajudar nos afazeres da casa e a serem dóceis, enquanto muitos os meninos são criados sem grandes preocupações com os cuidados com a casa e com os outros. Quando casam, homens e mulheres são convocados a reproduzir socialmente o que foi vivenciado em casa, o que propicia que os homens consigam entrar e sair do ciclo familiar e colocar suas responsabilidades em segundo plano.
Cuidamos dos nossos filhos como fomos cuidados pelos nossos pais quando éramos bebês, rememorando o quanto de investimento afetivo recaiu sobre nós e nos constituiu enquanto sujeitos. Freud faz referência ao lugar da criança na estrutura familiar com a expressão “sua majestade o bebê” para falar sobre seu valor na família, dos ideais narcísicos de seus pais e dos investimentos afetivos de seus cuidadores, pois o amor dos pais, tão comovedor e no fundo tão infantil, nada mais é senão o narcisismo dos pais renascido e transformado em amor aos filhos.
Os cuidados parentais tão importantes para o desenvolvimento subjetivo do bebê estão recaindo sobre a mãe. Vale pensar na rede familiar de uma criança que não é investida pelo pai e o quanto isto implica no seu desenvolvimento. Será que há efeito psíquico neste futuro sujeito?
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